A paisagem econômica do Caminho Novo pelo olhar dos Viajantes


Sendo originário da região, Otávio Soares Dulci cedo se interessou pela temática da economia no entorno do Caminho Novo, observando que o problema dos transportes era primordial para o desenvolvimento econômico. Consultando os viajantes estrangeiros, especialmente da primeira metade do século XIX, época em que o Brasil começava a desfazer as amarras que o prendiam a Portugal, verificou que o Caminho Novo foi tema central da maioria deles por causa da importância de Minas Gerais, principal unidade do país na época, e da ligação com o Rio de Janeiro. Estes viajantes vieram de diversos países, sendo importante mencionar o luso brasileiro Cunha Matos. 
O professor Dulci ressaltou que seu objetivo principal seria tematizar o assunto sem pretender esgotá-lo. Sendo assim, abordou pontos que julga fundamentais para a história do Caminho Novo e da economia mineira. Explicou que sua a ideia de paisagem é forma semelhante à que os geógrafos trabalham com território, acrescentando-lhe o sentido simbólico, ou o que ele representa num determinado contexto. 

Procurou extrair das obras dos viajantes a visão dos ecossistemas. Na obra de Saint Hilaire, declarou, sente-se a fisionomia do caminho. Mas há uma visão mencionada por todos os viajantes e que se refere à contraposição da mata e dos campos. Ao sair do Rio de Janeiro, até a subida para a atual Petrópolis, o trecho fluminense é descrito como florestal e sem muita presença do homem, fato que observaram também na área da futura Juiz de Fora.  Quando transpuseram a Mantiqueira, observaram que entre Santos Dumont e Antônio Carlos a paisagem mudava significativamente. Começavam os campos! Já o trecho final, basicamente entre Ouro Branco e Ouro Preto, era bem diferente dos anteriores, sendo muito montanhoso e com muito mato. Então, são três ecossistemas bem demarcados.

Um aspecto que o palestrante julga de muita atualidade nos viajantes é a referência ao desmatamento. O sistema de queimada, que herdamos dos indígenas para preparar a terra, e os efeitos nocivos deste sistema, foram objeto de registro provavelmente porque embora a consciência ambiental não existisse propriamente na época, os europeus, que já tinham destruído quase tudo na Europa, estavam atentos ao problema e perceberam o tratamento predatório da terra. 

O segundo ponto abordado foi o espaço rural. Os viajantes destacaram o problema da demografia, ou seja, da ocupação humana que era muito esparsa, com exceção do Rio de Janeiro e baixada fluminense, e no fim do Caminho, entre Queluz e Vila Rica. Mas da subida da Serra do Mar e até o Vale do Paraopeba, havia grandes vazios. 

Isto se deu, segundo Dulci, por conta do regime de sesmarias que os portugueses introduziram aqui. Em Portugal as sesmarias objetivavam descentralizar a propriedade e efeito inverso ocorreu no Brasil, com a grande concentração de propriedades em poucas mãos. Como resultado, os grandes vazios que eram ruins economicamente, pela baixa utilização. Faltavam braços, a tecnologia agrícola era rudimentar, nem o arado era utilizado, resultando em que apesar da fertilidade da terra, a produtividade era baixíssima, segundo os viajantes.

Questões da agricultura, cuja solução foi buscada ao longo do século XX, como a fundação de boas escolas de agronomia, entre as quais a de Viçosa, representavam uma realidade muito ruim para os portugueses da época. O problema fundiário gerava consequências econômicas difíceis.

Já no espaço urbano havia duas vilas, sendo Barbacena a principal, que se constituiu ao longo do século XVIII. Foi visitada por muitos viajantes que declararam ser um lugar muito agradável. Naquele retrato um tanto negativo do Caminho Novo, Barbacena se destacava pela qualidade de vida, pelas boas construções e pelo movimento comercial. O mesmo disseram de São João del Rei, no Caminho Velho. 

O ponto chave seria o comércio. Mas o palestrante chamou a atenção para um comentário que no caso de Barbacena é especialmente válido. É que, não sendo uma região aurífera, aquele capitalismo de aventura que gerou grande confusão em Minas Gerais, sacrificando bastante a produção, não ocorreu ali. Onde não havia ouro as pessoas se dedicavam a produzir, a plantar, a criar gado, a trabalhar nas atividades comuns da terra. Isto foi positivo. Já para São João del Rei a descrição é de uma cidade que já tinha desistido de produzir ouro e se voltado para o comércio, a agricultura e mais tarde a indústria. Uma cidade com uma dinâmica normal para o centro econômico importante. 

As vilas tinham também a função de ligação com o sertão e o Rio de Janeiro, havendo aí um giro de capital importante, ajudado pela posição geográfica que também contribuída com a economia. Se na parte final do Caminho Novo o eixo econômico era a mineração, nos campos era a criação extensiva de animais e uma pequena agroindústria de derivados da pecuária, com destaque para a produção de queijo que é enfatizada em toda literatura da época colonial, assim como outros derivados do leite. Além disso, Dulci lembrou os derivados de porcos, como o toucinho, cuja comercialização também movimentava a economia.

Citou o Barão de Eschwege, com a estatística da exportação de Minas, a demonstrar a forma como viviam os mineiros e como ganhavam dinheiro. Quase nada ia para o exterior. A maior parte da produção ia para o Rio de Janeiro. Sabe-se que o estado tem grande variedade de terras, favorecendo a produção de tudo um pouco. Eschwege mostrou a existência de produtos industriais simples, vendidos para fora de Minas, como queijo, açúcar e aguardente. Em menor escala vendiam couros e solas, marmelada, farinha de trigo e de mandioca. Produtos semi-industriais de preparo artesanal que eram exportados junto aos produtos agrícolas, sendo o algodão o principal. O café surge mais tarde, especialmente na região de Juiz de Fora, Além Paraíba e Leopoldina. Havia, também, o comércio de animais como o gado em pé, porcos, cavalos e galinhas.

Importava-se principalmente o sal, tecidos finos, vinhos, peixe salgado, remédios de botica, louças, vidros, chapéus e vinagre para o consumo das famílias. Para o consumo das incipientes fábricas, chapas de ferro, aço, cobre e minerais não produzidos na província. Numa demonstração de que as famílias da região viviam de forma frugal, Eschwege mostrou que as compras eram muito menores do que as vendas. As importações representavam apenas 15% das exportações. 

A topografia de Minas Gerais dificultava o transporte, com atoleiros na época de chuvas e trechos muito íngremes, como a subida da Mantiqueira. Os viajantes se referiram a tais dificuldades, informando que o Caminho Novo só podia ser percorrido por tropas de burros numa época em que o uso de carroças e carroções já era comum em outros lugares. Quanto à travessias dos rios maiores, eles relataram o uso de barcos ou balsas. As pontes surgem mais para o fim do século. Dulci destacou que ao longo do século XIX foram sendo feitos melhoramentos e que os viajantes se referiram a aspectos diferentes, dependendo da época em que cada um passou por Minas Gerais. 

Sobre ranchos e vendas, foi reiterado que os primeiros eram locais de parada em grande número no trajeto do Caminho Novo, constituídos basicamente de uma coberta onde não se pagava pela estadia. O proprietário tinha interesse era na venda do milho para os animais. As vendas eram precárias, a comida não era boa e entre os serviços ali disponíveis, havia tendas de ferraduras, ferreiros e outros artesãos para atenderem a necessidades variadas. 

Os registros, através dos quais o Estado atuava como agente econômico, foram também citados pelos viajantes estrangeiros, destacando que na travessia do Paraibuna funcionava uma espécie de alfândega. 

Dulci destacou a questão da logística, por ser o Caminho Novo a única ligação com o Rio de Janeiro. O que este caminho oferecia de possibilidades? O trajeto consumia muito tempo em função do peso da carga levada pelos animais. Segundo um dos viajantes, que não levara carga, foram necessários 5 dias do Rio até a divisa no Paraibuna e 13 no trecho mineiro. O palestrante lembrou, porém, que um personagem fez o trajeto em 11 dias por conta das circunstâncias: Caxias, em 1842. A estrada União e Indústria, em 1851, reduziu o percurso entre Petrópolis e Juiz de Fora para 12 horas, com um prolongamento não muito bom até Barbacena. Posteriormente, a ferrovia, que foi sendo construída em paralelo ao Caminho Novo, favoreceu o transporte e a economia.

Observamos que a palestra de Otávio Dulci despertou surpresa em algumas pessoas da plateia, por ainda não terem se dado conta da multiplicidade de assuntos abordados pelos viajantes estrangeiros. Por outro lado, comentaram que a fala despertou reflexões, entre elas a questão: como importar ou exportar naquelas condições? O Caminho Novo está, pois, num dos vértices da luta para resolver o problema dos transportes. 

Ao encerrar, o palestrante lembrou que embora a visão dos viajantes tenha sido muito crítica, devemos evitar o pecado do anacronismo, ou seja, pensar nos problemas da época com o olhar de hoje. E se erros pudessem ser apontados, o principal seria que os governos deixaram de investir de forma construtiva, por estarem totalmente focados na exploração mineral. 

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