Paisagens rurais e personalidades históricas dos Caminhos Velho e Novo



Logo no início da apresentação, Ângelo Carrara ressaltou que há diferenças entre os objetivos de quem se instalou na margem direita do Rio São Francisco e aqueles que se estabeleceram na margem esquerda do mesmo rio. Estes últimos criavam gado não para vender na região das Minas Gerais, mas para comercializá-lo nas minas de Goiás. O olhar destes curraleiros se voltou, portanto, para o centro oeste brasileiro. Observando-se as minas de ouro de Goiás e Tocantins percebe-se como o oeste de Minas se articula com Goiás.

Muito antes das descobertas de ouro já existiam estabelecimentos pecuários no território banhado pelo Rio São Francisco. Como exemplo citou o arraial de Matias Cardoso, fundado no norte de Minas em 1680, que tinha sua economia voltada para o comércio com a Bahia. 


Projetado um mapa da Comarca do Rio das Mortes, ressaltou os problemas de nomenclatura para representar uma comunidade homogênea. Chamou a atenção para o fato das divisões que aparecem no mapa não serem municipais, mas das freguesias então existentes. Quando se fazia a cobrança de impostos em Minas Gerais, adotou-se um princípio de jurisdição baseado na divisão eclesiástica. 


Passando a discorrer sobre os elementos de caracterização dos Caminhos Novo e Velho, o palestrante informou que há diferenças profundas entre as áreas de um e de outro caminho.

A primeira divisão a que se submeteu o território de Minas foi em Comarcas. Em 1711, junto com a criação das três vilas – Mariana, Ouro Preto e Sabará, foram criadas as comarcas, ou áreas judiciárias de atuação de um ouvidor. Considerada uma divisão artificial, por não se preocupar com o recorte da personalidade histórica, demonstra o modo de percepção de Minas de acordo com a geografia do local. De tal maneira que a Comarca do Rio das Velhas recebeu este nome porque a identidade dela era dada pelo rio homônimo, e inicialmente estendia-se até a divisa com Pernambuco, que então marcava o limite de Minas Gerais. A Comarca de Vila Rica englobava dois municípios: Mariana e Ouro Preto, com uma identidade dupla. De um lado o mais alto contraforte do Espinhaço, na região de Ouro Preto e se espalha pelo vale do Rio Doce. Já a Comarca do Rio das Mortes tinha como sua característica fundamental a produção de gêneros alimentícios. Havia duas freguesias que disputavam o lugar de maior produtor: Congonhas do Campo, com milho e feijão, e, Pitangui com a maior pecuária. Estas duas freguesias tinham a maior concentração de riqueza na época. 


A divisão é um determinismo geográfico que o palestrante prefere substituir por condicionamento geográfico. Explicando o significado da expressão, declarou que, numa sociedade com o mais baixo nível tecnológico possível, as decisões sobre o quê, onde e como plantar, são decorrentes do tipo de ambiente. Por exemplo: não se podia escolher plantar trigo no cerrado brasileiro. Hoje é possível porque existem tecnologias que suplantam as dificuldades de solo, por exemplo.


Para produzir a vida, as pessoas contavam com três instrumentos: uma enxada, uma foice e um machado. Sequer havia o arado, que só apareceu em Minas no final do século XIX e que não seria útil em tempos anteriores por ser o sistema de plantio muito rudimentar. Queimava-se a mata e nas clareiras furavam-se covas nas quais eram depositadas as sementes.


Ângelo Carrara lembrou que, quando se fala de baixo nível tecnológico não se deve pensar em fome. Muito pelo contrário, Minas se caracteriza pelos mais baixos preços de gêneros alimentícios do Brasil. O motivo é simples: terra é o que não falta. Para cada grão de milho jogado no solo, conseguia-se de volta 500 grãos. Os europeus, naquele momento, não conseguiam 4 grãos de trigo para cada grão semeado. Não há registro de crise de fome em Minas Gerais no momento em que a agricultura está plenamente consolidada. 


A ração alimentar era baseada na dupla milho e feijão e mais raramente o arroz. Além disso, uma cota de carne muito abundante, que era a carne de porco, pelas facilidades de criação.

Prosseguindo, disse que a organização fiscal baseada em freguesias ajuda bastante por permitir observar as características de espaços mais reduzidos. Uma freguesia era constituída, basicamente, por uma área equivalente hoje a três ou quatro municípios. 


Passando a focar nas diferenças entre os Caminhos Velho e Novo, o palestrante lembrou que a Freguesia do Caminho Novo iniciava-se em Minas na ponte do Paraibuna e terminava aos pés da Serra da Mantiqueira, logo após Santos Dumont. Esta freguesia tinha um contorno geográfico curioso: abrangia justamente as margens de uma estrada, o Caminho Novo. O nome da freguesia foi dado porque era uma faixa de terras em torno da estrada. As pessoas ali estabelecidas tinham um só objetivo: vender gêneros, ou mantimentos, para os viandantes. 


Em 1715, Garcia Rodrigues Paes era o maior produtor rural de Minas Gerais e também o maior proprietário de escravos. Não sendo dono de minas de ouro, qual teria sido o seu objetivo de se estabelecer às margens do Caminho? Segundo Ângelo Carrara, porque optou por uma atividade econômica muito mais rentável. Com a bateia podem vir 20 oitavas de ouro como pode não vir nada. Com a agricultura, todas as pessoas têm que se alimentar, garantindo a rentabilidade do produtor. Como a moeda em circulação era o ouro em pó, Garcia Rodrigues Paes não precisava fazer esforço porque o ouro vinha para suas mãos. Este é o motivo pelo qual, em diversos inventários são mencionadas várias arrobas de ouro por quem não era minerador.


Portanto, a estrutura que se instala no Caminho Novo é de concentração fundiária. Toda a Freguesia do Caminho Novo era, originalmente, do Garcia Rodrigues Paes, tendo-lhe sido concedida em sesmaria pela construção do caminho. Era uma grande propriedade rural que foi transmitida aos descendentes e, mais tarde, repartida entre vários adquirentes. De tal forma que 19 pessoas, entre parentes e sucessores, são responsáveis pela produção de gêneros até 1850. 


Cem anos depois, o maior produtor agrícola da região morava em Juiz de Fora, na Fazenda São Mateus, e era o José Ignácio Nogueira da Gama que pagava de impostos o mesmo que muitas freguesias de Minas. 


Ao tempo referido anteriormente, a produção de 19 pessoas da Freguesia do Caminho Novo correspondia ao que produziam 214 moradores de Tiradentes. O que reforça a informação de que foi a área de maior concentração fundiária em Minas Gerais. 


Quanto ao Caminho Velho, foi informado que há uma série de problemas, começando pelo fato de que não a ocupação não se fez à volta dele por ter perdido importância muito rapidamente. Ele deixou de ser artéria de acesso quando o Caminho Novo tomou o lugar de principal acesso à região central e artéria de fornecimento de bens em geral.


Ângelo Carrara ressaltou que 85% dos gêneros de abastecimento passaram a ser escoados pelo Caminho Novo porque o porto principal passa a ser o Rio de Janeiro. Sem nenhum exagero, disse o palestrante, pode-se dizer que o Rio de Janeiro como porto é uma criação da mineração. Numa declaração que causou alguma polêmica, acrescentou que, antes, o Rio de Janeiro era uma vila de pescadores. Após a conquista da Colônia do Sacramento é que o Rio de Janeiro deu um salto em população e ali foram instalados diversos órgãos administrativos. Reafirmou, porém, que foi o volume fiscal advindo de Minas que sustentou o crescimento do Rio de Janeiro, cujo porto passou a assumir o primeiro lugar no país. 


Mencionou o vigor e a diversidade de produção que se desenvolveu no Caminho Velho e, abordando a Comarca do Rio das Mortes, ressaltou que, mesmo com a diminuição do movimento mineratório, permaneceu a concentração fundiária antes mencionada. Exemplificou com Aiuruoca, onde o número de pequenos e médios produtores rurais era significativo em contraposição à vizinha Freguesia do Caminho Novo onde o número era bem pequeno. 


Outro exemplo citado foi o de Baependi, que se assemelha a Aiuruoca em termos de número de propriedades rurais de pequeno porte. Enquanto isso, uma única propriedade do Caminho Novo começa em Juiz de Fora e termina em São João Nepomuceno, não sendo sequer medida porque a área extrapola a capacidade de mensuração. Portanto, as diferenças estruturais são bem perceptíveis, demonstrando a principal característica que distingue o Caminho Novo do Velho. 


O padrão de concentração no Caminho Novo tende a ser reforçado no início do século XIX por conta do sistema de distribuição de sesmaria. Indivíduos que se deslocaram para a região e não pediram uma ou duas sesmarias, mas dez, quatorze e até quinze sesmarias. O mais grave, no entender de Ângelo Carrara, é que foram concedidas, irradiando o padrão de grandes propriedades por todo o vale do Rio Paraíba. 


Finalizando, o palestrante convidou a refletir sobre estes padrões diferentes de ocupação e uso do solo entre os Caminhos Velho e Novo. Lembrou que o processo de ocupação da região de Campanha foi completamente diferente do que ocorreu em São João del Rei. Acrescentou que a área de Campanha foi a primeira a se articular com o porto do Rio de Janeiro, provendo-o principalmente em tabaco, reses e porcos. Isto resultou em que a região foi se diferenciando do restante de Minas Gerais e, enquanto o entorno do circuito minerador entrava em crise, perdendo população, a região ao sul crescia e enriquecia, podendo obter da rainha a emancipação, pela grande arrecadação que auferia.


Atentar para essa diversidade que pode ser observada em termos estruturais, econômicos e ancestrais é a sugestão deixada por Ângelo Carrara. Considerando mais importante as estruturas da economia, que numa sociedade rural equivale a sua estrutura agrícola, a melhor forma de se analisar a personalidade histórica de uma sociedade rural é analisar as suas estruturas, pois estas nos dizem que tipo de sociedade ali existe.

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