O Caminho Novo e a Medicina




Apresentando-se como um ‘curioso’ a respeito da história da medicina e seus labirintos, o médico dermatologista Geraldo Barroso de Carvalho, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, informou que falaria sobre a Medicina no Caminho Novo de forma muito simples.

Iniciou discorrendo sobre o panorama da época, ressaltando que uma grande quantidade de pessoas buscou o local das minas a partir da descoberta do ouro no sopé da Serra do Itacolomi. Foi também necessário aumentar a importação de escravos para suprir a necessidade de mão de obra. ‘Esse afluxo imenso de pessoas, de todos os lados, criou uma super população numa área extremamente insalubre’, propiciando a entrada de muitas doenças novas na região, disse Barroso. Doenças endêmicas na África e no sul do Brasil, por exemplo. De certa forma, a região tornou-se uma espécie de Serra Pelada, conforme indicava a fotografia no slide.

Por esta época ‘apareceu em Ouro Preto um cidadão chamado Luiz Gomes Ferreira, português’, que ouvira notícias da descoberta e inicialmente se dirigira para Sabará. Depois de 5 anos, em 1716, estabeleceu-se entre Ouro Preto e Mariana e ali passou a ser procurado pelas pessoas que buscavam tratamento para suas doenças. Teria sido o primeiro ‘médico’ a deixar notícia na história da região.

Barroso acrescentou que além das pessoas houve um aumento significativo do plantel de animais de carga, adquiridos no sul, para onde os espanhóis tinham levando muitos muares com o ojetivo de fazer o transporte da prata do Peru para Buenos Aires. Muitos desses animais haviam se perdido pelas pradarias do sul onde se misturaram e se multiplicaram, resultando em grande quantidade de animais de carga e gado bovino, sobretudo na região de Viamão, no Rio Grande do Sul. O pessoal de Minas se viu, então, na necessidade de ir buscar animais que auxiliassem no transporte de cargas, serviço até então feito pelos escravos. Um burro carregava cerca de 18 a 20 vezes o peso transportado por um escravo.

O centro onde iam buscar estes animais era a Feira de Sorocaba. No local encontravam-se profissionais variados, como seleiros, cangalheiros, ferradores, ferreiros, peões e os vendedores dos animais que eram comprados e trazidos para formar as tropas de mulas. Cerca de 10.000 mulas saíam anualmente de Sorocaba, quase todas destinadas à região das minas. Por esta razão, Minas chegou a ter mais do que o dobro da tropa de mulas existente no resto do Brasil.

No percurso de ida e volta até Sorocaba, os tropeiros faziam paradas em propriedades que lhes alugavam o pasto e forneciam milho para os animais. Entretanto, tinham que carregar sua própria alimentação e demais produtos necessários à sobrevivência, incluindo medicamentos. Havia curandeiros e dentistas itinerantes mas também aqueles que faziam parte das tropas maiores ou se estabeleciam no percurso. Os curandeiros tratavam diversos males com as ervas encontradiças na mata atlântica e alguns eram também cirurgiões que abriam abcessos e retiravam corpos estranhos.

Segundo Barroso, um dos primeiros medicamentos quimioterápicos de que se tem notícia provinha de determinadas plantas, entre elas a Ipeca, ou Poaia, encontrada nas matas do Xopotó. Sendo um dos grandes medicamentos da época, fazia parte da bagagem daqueles tropeiros ou era obtido com os curandeiros do caminho. Além disso a malária, que na época causava numerosas mortes e ainda hoje tem alta incidência em várias partes do mundo, era também tratada com ervas.

Prosseguindo, foram mencionados muitos produtos da medicina de então, sendo que alguns ainda hoje encontram aplicação em determinadas circustâncias. Neste ponto, Barroso mencionou os que viu serem aplicados em sua época de médico recém formado. ‘Na segunda metade do século XX nós ainda usávamos a erva de santa maria’, declarou. Outra citação foi ao ‘feto macho’ que é retirado do broto da samambaia e era o único medicamento para eliminar a solitária. A semente de abóbora foi mencionada para explicar a chamada ‘teoria das assinaturas’, segundo a qual Deus teria criado objetos que apresentavam sinais de suas virtudes. No caso da semente de abóbora era o formato, que por assemelhar-se ao útero da solitária carregado de ovos seria eficiente no tratamento deste problema.

Foram mencionados vários outros medicamentos que faziam parte da farmacopéia da época áurea do Caminho Novo e que entravam na bagagem do tropeiro como cascas, sementes e demais insumos semelhantes. Pela ‘teoria das assinaturas’, relatou, determinado cipó seria eficaz como antiofídico por ter o formato de cobra. Também a planta denominada quebra pedras, uma gramínea que se desenvolve entre as fendas das pedras, seria solução contra os cálculos renais.

A mamona, em função da prática de se considerar que o purgativo seria o melhor remédio contra qualquer doença, era produto de grande utilidade. O hábito de se cobrir feridas com determinada folhagem encontra justificativa no fato de que servia de cobertura, impedindo que a mosca varejeira ali depositasse seus ovos. Para as fraturas e contusões, usavam-se talas de bambu numa prática que, embora extremamente rude, ajudava a solucionar problemas imediatos. Colocar um pedaço de toucinho sobre os vermes resolvia o problema porque, diferentemente da crença de que os vermes gostam de toucinho, na verdade esta prática impedia a respiração dos intrusos, matando-os.

E assim ouvimos o médico e historiador mencionar muitas curiosidades como o uso do fumo em torno de micoses impedindo que a área afetada se ampliasse. Além das beberagens, ferveduras, cachaça com um determinado tipo de cipó na sexta feira da paixão e cachaça com jurubeba. No item rezas e simpatias não foi esquecida a oração a São Guido para tratar de males das articulações porque a doença era chamada de Dança de São Guido ou Coréia, palavra que significa dança.

E se o problema era guardar um segredo, melhor rezar para São João Nepomuceno. Ele teria sido confessor de uma rainha e certa feita o rei foi-lhe ao encalço para saber o que a rainha lhe contara. Pela recusa em atender ao pedido do rei, sua imagem teria sido associada ao hábito de colocar o dedo indicador sobre os lábios e dado origem aos pedidos fervorosos de ajuda quando não se consegue manter um segredo.

Geraldo Barroso de Carvalho é membro do Centro de Memória Belisário Pena, um dos promotores do Encontro de Pesquisadores de História e Geografia do Caminho Novo da Estrada Real. E é autor do livro Doenças e Mistérios de Aleijadinho, publicação da Lemos Editorial que já está indo para a terceira edição.

O Caminho Novo na Borda do Campo



Francisco Rodrigues de Oliveira descreveu o Caminho Novo na ‘zona do campo’, iniciando pela explicação de que Barbacena representa o limite entre o campo e a mata. A zona da mata estende-se até o sopé da serra, começando aí a rarear na medida em que aumenta a altitude. Este limite natural entre os dois espaços não corresponde rigorosamente à divisão oficial entre os atuais municípios da região.

Oliveira lembrou que, para os viajantes estrangeiros, o ‘campo representa um refresco’ após a penosa travessia da mata fechada, geralmente durante o dia inteiro. Quando os viajantes começavam a sair da mata Atlântica e viam o campo descortinar-se à frente, sentiam-se mais animados com a perspectiva de um ambiente menos inóspito, com temperatura mais fria. A viagem, a partir daí, rendia mais.

O professor chamou a atenção para alguns aspectos da história de Barbacena. Além de ter descrito rapidamente o período que vai de sua fundação até a elevação à categoria de Vila em 1791, lembrou que a então localidade denominada Borda do Campo nasceu do Caminho Novo, ou seja, foi a reorganização desta rota de acesso para a zona da mineração que criou as condições para o desenvolvimento do povoado.

A Fazenda do Registro foi citada como pólo de desenvolvimento inicial, uma vez que ali foram sendo agregados os equipamentos necessários aos viajantes, quer seja no sentido de reabastecimento dos viajantes para prosseguirem viagem, quer seja na obrigatoriedade de pararem para cumprimento das obrigações fiscais. O local, hoje conhecido como Registro Velho, deixou de funcionar como posto de fiscalização por volta de 1790.

E aqui entra uma conversa paralela, ocorrida no momento em que Oliveira falou do Registro Velho. Trata-se da definição do período em que a fiscalização teria sido transferida para o ‘Registro do Caminho Novo’, então localizado em Matias Barbosa. Um dos ouvintes informou que o novo registro teria começado a funcionar em 1790, data compatível com informação obtida oralmente na Biblioteca Nacional, por ocasião de pesquisa realizada naquela instituição em conjunto de documentos denominado Abecedário do Caminho Novo.

Infelizmente o Encontro de Pesquisadores de História e Geografia do Caminho Novo da Estrada Real não contou com a presença de Roney Fabiano Alves, de Matias Barbosa, profundo conhecedor da história local, com destaque para o funcionamento do Registro dito Novo. Alves falaria sobre O Caminho Novo em Simão Pereira, abordando o trecho que da margem esquerda do Paraíba do Sul inicia a trajetória pela terra mineira, indo até o território onde mais tarde nasceria o povoado de Santo Antônio do Paraibuna, hoje o município de Juiz de Fora. Infelizmente, também, Antônio Henrique Lacerda, que falaria sobre o trecho entre Juiz de Fora e Ewbanck da Câmara, não pode comparecer em função de compromissos de última hora.

Voltando a Oliveira, sua comunicação abordou as características topográficas da Borda do Campo que representam um divisor em relação à mata, com o terreno tornando-se mais plano. Ressaltou que, diferentemente da região anterior, no campo os núcleos habitados ficavam mais distantes uns dos outros. Outra característica destacada foi a possibilidade de desenvolver plantações na área do campo, bem como obter pastagens para a criação de gado. Este aspecto também mereceu comentário na platéia, no sentido de que a agricultura teria sido um atrativo a fixar moradores no local, reiterando o que havia sido dito mais cedo por Francisco Andrade a respeito do movimento comercial ter sido o grande propulsor para a ocupação das margens do Caminho Novo.

Oliveira informou que, em consequência da topografia diferente da mata, no campo era mais fácil promover deslocamentos do caminho para terreno mais favorável, quando a trilha conhecida se tornasse inviável por fenômenos naturais ou desgaste pelo uso. A seguir apresentou trechos de um mapa do final do século XIX, executado já com recursos tecnológicos mais adequados ao objetivo de registrar as características físicas de uma região. Através do slide, os presentes puderam visualizar a Serra da Mantiqueira, os cursos d’água correndo para oeste e noroeste e parte da bacia do rio Paraibuna.

Foram destacados os diversos caminhos então existentes, chamando a atenção para a Estrada de Ferro que seguiu uma das variantes do Caminho Novo para transpor a serra. Outra ‘subida’ era a que foi utilizada no prolongamento da Estrada União Indústria, no século seguinte. Atualmente a BR 040 representa uma terceira via de passagem por aquele trecho.

O Professor Francisco abordou, também, as alternativas utilizadas para superar os obstáculos naturais, com destaque para os cursos d’água. Lembrou que geralmente existe uma ‘garganta’ próximo aos picos de morros e estas áreas de depressão eram procuradas como alternativa de passagem, especialmente no entorno das nascentes de rios, por permitirem transposição mais fácil.

Francisco Rodrigues de Oliveira atuou como professor na Universidade Federal de Viçosa e na UNIPAC, em Barbacena. É membro da Associação Cultural do Arquivo Histórico Municipal Professor Altair José Savassi – ACAHMPAS, entidade que se uniu ao Centro de Memória Belisário Pena para a promoção do Encontro. Na década de 1990, quando percorria arquivos públicos e privados de Barbacena, realizou levantamentos que lhe permitiram escrever alguns trabalhos. Entre eles, o perfil biográfico de seu pai, Godofredo Rodrigues de Oliveira. Outro trabalho é o livro História da Construção da Estrada de Barbacena a Ibertioga, publicado em 2002.

O autor voltará a ser mencionado nesta série de textos, já que após o Encontro fizemos uma visita a Ibertioga, constatando in loco várias das informações divulgadas durante o evento.

O Caminho Novo em Santos Dumont


 
A partir de um conjunto de slides, Luiz Mauro Andrade da Fonseca apresentou diversos mapas que nos ajudaram a localizar a região objeto de seus estudos. Iniciou mostrando o percurso do Caminho Velho, passando pelo Sul de Minas, indo para São João del Rei e seguindo para Ouro Preto. Em seguida reiterou, conforme dissera Francisco Eduardo de Andrade, que foram diversos os ‘abridores’ do Caminho Novo, os quais se utilizaram de picadas abertas pelos índios e remodelaram o percurso do Rio de Janeiro a Ouro Preto, ‘encurtando consideravelmente a viagem’. Para percorrer o Caminho Velho, de Parati a Ouro Preto, eram necessários entre 75 e 90 dias.

Fonseca explicou que a temática do encontro seria analisar o trecho do Caminho Novo de Simão Pereira a Alfredo Vasconcelos, passando pela zona da mata mineira e adentrando a zona das vertentes. Destacou, no mapa, as localidades de Simão Pereira, Matias Barbosa, Juiz de Fora, Ewbanck da Câmara, Santos Dumont, Antônio Carlos, Barbacena e Alfredo Vasconcelos.

Lembrou que o Programa Estrada Real, do Governo de Minas Gerais, tem por objetivo incentivar especialmente a indústria do Turismo, deixando lacunas significativas no que concerne aos estudos históricos e geográficos que permitiriam um conhecimento mais amplo do que seja a Estrada Real.

‘Os índios foram os autores dos caminhos, tanto o Velho como o Novo, aproveitados pelos bandeiristas’ em suas incursões pela terra mineira que inicialmente foram motivadas pelas tentativas de captura dos povos nativos, declarou Fonseca. Numa cartografia de 1777, indicou o Caminho Velho e a seguir dedicou-se ao trecho do Caminho Novo que atravessa o atual município de Santos Dumont, mencionando as consultas realizadas a estudiosos do assunto e suas visitas aos locais, fazendo diversas fotografias.

Segundo o professor Fonseca, a melhor descrição que encontrou daquele percurso foi a de Costa Matoso, autor que menciona o Sítio do Luiz Ferreira, atualmente Ewbanck da Câmara, o Sítio do Pedro Alves, local atualmente conhecido por Francesa, a Rocinha e Sítio de João Gomes, o Sítio de Pinho Velho, Pinho Novo e o Sítio da Mantiqueira. Estas localidades foram indicadas no mapa.

Um dos pontos altos da comunicação de Luiz Mauro da Fonseca foi a apresentação de um Mapa Temático, de 1991, cujo autor nasceu em Santos Dumont. Este trabalho apresenta a região a partir de Chapéu d’Uvas, atualmente unido a Paula Lima, distrito de Juiz de Fora.

Nas diversas fotografias, Fonseca chamou a atenção para a multiplicidade de ‘trilhas’ que certamente pertenceram ao Caminho Novo, desmistificando a impressão de que seria um único percurso e demonstrando que existiam muitas variantes. Ressaltou que é praticamente impossível, atualmente, identificar a rota original, uma vez que alternativas foram sendo abertas no decorrer do tempo. Importante, pois, mostrar a direção pela qual o Caminho seguia. No caso, a direção de Ewbanck da Câmara para Santos Dumont e depois para Barbacena.

Indicar a Estrada de Ferro Central do Brasil foi um facilitador, uma vez que a ferrovia tem um traçado bem próximo ao do Caminho Novo, ladeando-o quase sempre. Foram apresentadas, também, fotografias de antigas fazendas da região citadas pelos viajantes estrangeiros. Algumas estão preservadas, outras nem tanto. Numa das imagens pudemos ver um Marco da Estrada Real e bem ao lado uma das trilhas que compuseram o Caminho Novo.

O professor Luiz Mauro foi muito feliz em sua Comunicação, utilizando recursos didáticos que prenderam a atenção e ajudaram a acompanhar sua fala. Esperemos que ele envie uma cópia dos slides para que possam ser aqui publicados.

Quando chegou à area urbana de Santos Dumont, Fonseca apresentou antigas fotografias da cidade com seus casarões imponentes, alguns tombados pelo Patrimônio Municipal durante sua gestão à frente daquele órgão.

Prosseguindo, outras fotografias do Caminho Novo em direção à Fazenda Mantiqueira, a mais famosa de Santos Dumont. Sempre seguindo pelo caminho dos tropeiros, por onde passaram todos os viajantes estrangeiros que deixaram obras descritivas bastante variadas.

As fotografias da Fazenda Mantiqueira demonstraram o excelente estado de conservação em que se encontra. A propriedade pertenceu a Silvestre Dias de Sá e mais tarde ao inconfidente José Aires Gomes.

Depois da Mantiqueira, sobe-se a serra para chegar à Fazenda do Registro, que se encontra abandonada e precisando de socorro. Deste trecho foi apresentada uma fotografia com partes do calçamento que ali existiu, além de imagens panorâmicas da zona da mata, com muitas araucárias, vistas já a meio caminho para a região denominada ‘Campo’, de onde veio o topônimo Borda do Campo. Também foi possível ver o que resta de chafarizes, incluindo o denominado D. Pedro II. Uma das imagens mais significativas, entretanto, mostra a transição entre a mata e o campo, numa paisagem realmente muito bonita.

Luiz Mauro Andrade da Fonseca, além de médico e professor, faz parte do grupo Pesquisadores Independentes de Barbacena e Santos Dumont de grande atividade desde a década de 1990. É também membro do Centro de Memória Belisário Pena, de Barbacena, uma das entidades promotoras deste primeiro Encontro de Pesquisadores de História e Geografia do Caminho Novo da Estrada Real. É, ainda, autor de uma obra sobre a história de Padre Correia de Almeida, município vizinho a Barbacena.

Garcia Rodrigues Paes e o Caminho Novo



Na primeira comunicação do encontro, Francisco Eduardo de Andrade buscou relacionar o espaço e o tempo, abordando a rota do Rio de Janeiro e as minas do ouro. Falando sobre Garcia Rodrigues Paes, considerado o ‘abridor’ do Caminho Novo, Andrade informou que ele ‘investiu nas promessas régias sobre os descobrimentos das minas de ouro e alegou ter sido o descobridor’, requerendo títulos, privilégios e honrarias. Além disso, atrelou as investidas de seu pai Fernão Dias Paes Leme ao descobrimento das minas, dizendo que eles ‘foram a causa primária’ do enriquecimento da Fazenda Real e responsáveis pela abertura de caminhos para as minas. Ou seja, ele, Garcia Paes, dizia-se a pessoa adequada para abrir nova rota ligando o Rio de Janeiro à região de mineração.

Andrade discorreu sobre várias atitudes de Garcia Paes, como o pedido que fez ao Rei de Portugal para abrir um caminho “junto ao rio Paraíba do Sul” e o pedido de privilégios sobre um determinado território, em recompensa aos serviços prestados. Tal espaço estaria limitado de um lado pela Serra dos Órgãos e de outro pela saída para os ‘Campos Gerais’, com dez léguas de testada.

Ao longo das negociação, Garcia Paes obteve o cargo de Guarda-Mor Geral das Minas. Entretanto, “o que Garcia procurava era aproveitar as amplas oportunidades advindas do trânsito comercial em volta do Rio de Janeiro, ou seja, do interior do Rio”. Naquele momento valorizava-se mais o acesso aos campos de criação de gado bovino, que depois se tornaram conhecidos como Campos Gerais, do que as minas de aluvião.

Francisco Andrade lembrou, também, que mais de 90 anos antes da descoberta do ouro, o Governador do Rio de Janeiro já mencionara a intenção de abrir o caminho para os Campos Gerais. E que Pedro Taques de Almeida citou tentativas dos moradores do Rio de fazer a obra, abrindo nova fronteira para a criação de gado.

Andrade faz questão de frisar que Caminho Novo significa um caminho recente, não uma novidade, mas um caminho mais moderno em relação ao Caminho Velho que saía de São Paulo. Em seus estudos o autor observou que já existiam ‘picadas’ na Serra dos Órgãos, abertas pelos índios. Portanto, o Caminho Novo, no sentido de uma nova forma de atingir o sertão desconhecido, é uma ilusão.

Na última década do século XVIII, “havia um verdadeiro confronto de topônimos”, os quais garantiriam a primazia da entrada, através da associação dos nomes dados aos locais, disse o palestrante. Frisando que já existia a intenção de abrir uma outra via, em substituição ao ‘Caminho Velho’ para daí auferir lucros com o trânsito comercial pelo local, Andrade mencionou outros bandeiristas que haviam solicitado autorização da Coroa para abrir Caminho que levasse ao sertão dos Campos Gerais, mas apenas a Garcia teria sido permitido tal empreitada. Entre as recompensas que todos pediam, estava a concessão de ‘vila na altura do Paraíba’.

Obtida a concessão, “Garcia Rodrigues Paes transferiu sua família para o Paraíba e montou uma grande fazenda para abastecer os viajantes que se dirigiam para as minas. Embora tivesse obtido o cargo de Guarda Mor Geral das Minas, nomeou um substituto para o seu lugar.” Estaria, portanto, muito mais interessado no ‘negócio de ocasião’ que era o Caminho Novo. A prática de nomear substituto tornou-se comum posteriormente.

Nesta primeira comunicação do Encontro, o professor Francisco Andrade nos mostrou que ‘caminhar é a oportunidade de descobrir o que a terra esconde’ e que a descoberta das minas foi uma decorrência do trânsito e não que o ‘descobrimento do ouro teria produzido o caminho. Pelo contrário, as minas é que são resultados dos caminhos’.  O Caminho Novo representou muito mais do que uma via de acesso às minas, com destaque para a formação de roças para produção dos gêneros vendidos aos caminhantes que por ali passavam. 
Resta-nos a indicação do livro:
ANDRADE, Francisco Eduardo de. A Invenção de Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 

Peter Burke: conferência

Dia 22 de setembro, próxima quarta feira, o historiador Peter Burke realizará conferência no IEA da USP com transmissão pela web. Tema: Continua Viva a República das Letras?

Para acompanhar.

Para saber mais.

Projeto Conversa de Botequim

Show Da Cor da Pele, dia 25 de setembro


"Da Cor da Pele" propõe uma viagem pelo Brasil caboclo, mulato, cafuzo. Brasil nos tambores de Minas aos da Bahia, nos pandeiros do Rio de Pixinguinha aos de Jackson do Nordeste. É o samba na sua raiz, emaranhado nos braços da viola.

É nessa viagem que Thaylis Carneiro leva para o palco a essência da sua identidade, pedindo licença mergulha no universo da cultura popular. Acompanhada pelo violão mulato de Camilo Silva e o pandeiro malandro de Gabriel Nunes, faz uma grande festa em saudação aos grandes mestres da MPB e ao público, que é o principal convidado para embarcar nesta canoa e desbravar os sons do nosso Brasil.

Este evento abre a agenda cultural do "Projeto Conversa de Botequim", uma parceria entre a Superintêndencia Municipal de Cultura e a Casa de Leitura Lya Maria Muller Botelho cujo objetivo é divulgar e valorizar o trabalho de artistas locais promovendo eventos culturais que dialogam entre as áreas da música, literatura, teatro e artes plásticas. Num espaço onde o público tem a oportunidade conhecer e pretigiar os artistas da terra.
Toda verba arrecadada será destinada aos festivais de Música e Teatro que serão realizados por essa parceria ainda no ano de 2010.

Lembranças de Imigrantes em Leopoldina

"a cidade pode ser lida como um texto que registra as atitudes de uma sociedade perante os fatos mais elementares de sua existência". (Barros, p.28)
Ao olhar uma cidade nesta perspectiva sugerida por José d'Assunção Barros no livro Cidade e História, publicado pela Editora Vozes em 2007, provavelmente haverá um envolvimento bem diferente daquele cotidiano, quando se atravessam as ruas, ou daquele momento em que se escolhe o melhor ângulo para uma fotografia panorâmica. O mesmo autor, na página 40, cita Roland Barthes, em A Aventura Semiológica:
"A cidade é um discurso, e esse discurso é verdadeiramente uma linguagem: a cidade fala a seus habitantes, falamos nossa cidade, a cidade em que nos encontramos, habitando-a simplesmente, percorrendo-a, olhando-a".

Este livro foi procurado na estante após ouvir uma entrevista realizada com descendente de imigrante que viveu em Leopoldina na primeira década do século XX. Em certo trecho ela declara que seus avós guardavam a melhor roupa para usar em duas situações: para ir à Igreja ou quando iam visitar o padrinho de um dos filhos que morava na principal rua da cidade. Acrescenta que eles gostavam de olhar para as fachadas e os jardins das casas e sonhavam vir a residir na área urbana. Depreende-se que eram raras as "viagens" até Leopoldina, por parte daqueles colonos que viviam a 4 ou 5 km da sede do município. Em outra situação, o neto de um imigrante disse que seu avô guardou, até o fim da vida, uma fotografia da Estação Ferroviária, dado o encantamento que sentiu ao ali desembarcar depois de quase dois meses viajando para estabelecer-se no Brasil.

Não só os imigrantes achavam bonitas as ruas centrais de Leopoldina. Em livros como o Minas Gerais e seus Municípios, de Roberto Capri, publicado pela Pocai Weiss de São Paulo em 1916, observa-se um certo respeito pelas edificações existentes no centro da cidade. Entretanto, José de Assunção Barros lembrou  (pag. 41) que os habitantes reescrevem suas cidades e os prédios que demonstravam riqueza e poder num dado momento podem degenerar-se no período seguinte e se transformarem até mesmo em símbolos da marginalidade. Este autor ressalta que a deterioração de um bairro pode significar a mudança do eixo econômico ou cultural.

O que terá acontecido, por exemplo, com as chácaras existentes no bairro do Rosário, mencionadas em jornais do início do século XX como locais de grandes festas? O poder econômico transferiu-se para outros logradouros, deixando-as sem manutenção até não ser mais possível recuperá-las? Nos bairros mais afastados, que ao final do século XIX eram ainda área rural com sedes de grandes fazendas, existe alguma construção preservada? Como está aquela sede de fazenda, no Alto Pirineus, que na década de 1960 era como que uma fronteira entre o urbano e o rural?

São questões a serem pensadas, não só em Leopoldina como em qualquer outra cidade. Vieram à tona, neste momento, em consequência de reflexões suscitadas pela lembrança de descendentes de imigrantes. Eles que foram, muitas vezes, artífices de obras de arte como algumas que ainda podemos ver no cemitério municipal, ou a portada da Catedral.

Relendo Gilberto Freyre

Durante a Festa Literária Internacional de Parati - FLIP deste ano, surgiu a vontade de reler Gilberto Freyre. Para além das críticas que alguns fazem a este autor, não podemos deixar de considerá-lo um marco. E não só pela obra mais famosa - Casa Grande & Senzala. Outras como Ingleses no Brasil e Novo Mundo nos Trópicos são também interessantes. Sem contar com aquela que é considerada sua estréia como autor: Vida Social no Brasil nos meados do Século XIX.

Pois relendo este trabalho que o próprio autor considera "um ensaio produzido por um adolescente", pode-se encontrar, no prefácio à primeira edição em língua portuguesa, afirmativas como:
[foi concebido para] "encontrar-se a si mesmo nos seus avós, nos seus antepassados, nos brasileiros de uma época anterior à sua e à dos seus pais." (2008, p.35)

E já no início do trabalho propriamente dito, Freyre declara que 
"o Brasil dos meados do século XIX não era só constituído por vários Brasis, regionalmente diversos: também por vários e diversos Brasis quanto ao tempo ou à época vivida por diferentes grupos da população brasileira."

Esta passagem induz a uma reflexão sobre tantos modelos fechados, obras adotadas pelas escolas e que tentavam convencer de que o Brasil era assim ou assado e que as coisas aconteciam sempre da mesma maneira em todo o 'território nacional'. Quantos não se surpreenderam ao perceber que a sua cidade, a sua região ou a sua família não guardava relação alguma com o que declaravam tais obras? 

E quantos não consideram ridículos alguns fatos que ouvem de seus avós? Neste aspecto, temos uma declaração no final da tese acadêmica, sugerindo que alguma coisa do passado pode parecer grotesca
"para os pósteros que se voltem para esse aspecto de vida dos seus avós ou bisavós com olhos apenas de turistas no tempo". (p. 115)
Ao contrário, quando buscamos ir um pouco além na tentativa de compreender as motivações de um dado momento, abandonamos os preconceitos e adotamos outra visão não só do passado como de tudo que está ao nosso lado.

Apologia da História

Apresento-lhes um blog que se propõe a "ser uma possibilidade a mais de reflexão a respeito dos porquês da sociedade no campo da história e das ciências sociais. Estudantes, professores ou simplesmente curiosos da História, todos estão convidados a trocar ideias, conhecimentos e informações."