Migrações internas: A família Farinazzo

Localizar a chegada de imigrantes não é tarefa simples. Mesmo com informações bastante precisas, nem sempre é possível encontrar a entrada da embarcação no Rio de Janeiro, nem tampouco o registro nas hospedarias. Uma das dificuldades é a data de chegada que, mesmo sendo extraída do carimbo aposto no passaporte do imigrante, não corresponde aos respectivos registros.

Um exemplo desta situação ocorreu com a família Farinazzo. Segundo o mencionado carimbo, teriam sido registrados na Hospedaria da Ilha das Flores no dia 19 de janeiro de 1887. Isto significaria que desembarcaram no Porto do Rio naquele dia ou na véspera, e dali teriam sido transferidos em embarcação menor para a hospedaria, onde ficariam aguardando definição do destino final. Entretanto, observamos que naqueles dias o movimento apresentou características variáveis.

Num dos casos, 459 imigrantes italianos chegaram pelo vapor Adria, no dia 13 de janeiro de 1887, ao Lazareto da Ilha Grande. No dia 16 foram transferidos, pelo paquete Rio Apa para o Porto do Rio. A listagem de passageiros do Rio Apa informa que aportou no Rio no dia 25 de janeiro, transportando imigrantes chegados da Europa em diversos vapores. Observamos que contém 53 nomes destinados à província de Minas Gerais. Donde perguntamos: o paquete era realmente pequeno e não transportou todos os passageiros do Adria? Ou a listagem é apenas dos chegados em outras embarcações? Ou o Adria deixou na Ilha Grande somente os passageiros destinados a Minas e seguiu com os demais para outro porto ao sul do país?

Perguntas até o momento sem as respostas que poderiam esclarecer o motivo pelo qual não encontramos o vapor San George aportando no Rio aos 19 de janeiro de 1887, conforme indica o carimbo aposto no passaporte da família de Luigi Giuseppe Farinazzo. É possível que a embarcação tenha sido uma das que deixou passageiros no Lazareto da Ilha Grande e seguiu viagem com os imigrantes que se estabeleceriam na Colônia Imperial do Grão Pará, atual município de Orleans, SC. Isto ocorreu com diversos imigrantes que mais tarde se estabeleceram em Leopoldina.

A hipótese dos Farinazzo terem tido a primeira residência brasileira em Santa Catarina baseia-se em informações sobre outros grupos que lá estiveram. A primeira delas refere-se a Angela Rinaldi, procedente de Casale di Scodosia, Montagnana, província de Padova, no Veneto. Em 15 de junho de 1889, casou-se em Tubarão, SC, com Giuseppe Lorenzetto, procedente do mesmo comune. Um ano depois o casal estava em Leopoldina. Da mesma forma, a família Pedroni passou ao Brasil em 1877, estabelecendo-se na Colônia Grão Pará em 1883 e em novembro de 1890 havia se transferido para Leopoldina.

Em 1885 foi a vez de chegar àquela colônia catarinense a família de Fortunato Bonini que também estava em Leopoldina em 1890. Observando as relações de compadrio nos assentos paroquiais de Leopoldina, temos os Bonini ampliando a relação de imigrantes que fizeram o mesmo trajeto. Acrescente-se os casamentos realizados dentro deste grupo e os Farinazzo são inseridos nesta hipótese.

Segundo Jucely Lottin, autor do livro Colônia Imperial de Grão-Pará, com quem trocamos correspondências no decorrer de nossas buscas, o modelo daquela organização deixa entrever um planejamento cuidadoso e uma visão de futuro que faltou a outras colônias brasileiras. Localizada às margens de uma estrada de ferro que ligaria minas de carvão ao porto, a Grão Pará forneceria seus produtos agrícolas para consumo dos trabalhadores das minas, garantindo renda aos imigrantes que seriam recrutados em seus países sem quaisquer despesas de transporte.

Acompanhados durante toda a viagem, ao chegarem ao lote colonial escolhido esses imigrantes encontravam um rancho que lhes permitia começar a nova vida. Além disso, “havia um barracão para abrigo coletivo, parte dos lotes já desmatados, alguns possuíam culturas básicas plantadas” e ainda recebiam assistência médica, sementes para o plantio e algum dinheiro para as necessidades urgentes. E, assim como o sistema de financiamento dos lotes da Colônia Agrícola da Constança, de Leopoldina, os gastos antecipados e adiantamentos fornecidos seriam compensados com a produção.

Mas veio o 15 de novembro de 1889 e foi desfeita a Empresa Colonizadora dos Príncipes Imperiais, sendo substituída pela Empresa Colonizadora do Brasil que “suspendeu aquele certo paternalismo implantado no regime monárquico e substituiu o comando sem manter boa parte de seus compromissos”, arremata Lottin. E nós concluímos: seria muito penoso viver numa colônia em formação, longe de um centro urbano já estabelecido, sem contar com o que o autor chamou de paternalismo. Voltando nossos olhos para a Colônia Agrícola da Constança, reconhecemos aí uma de suas vantagens: a poucos quilômetros da estação ferroviária e a meio caminho entre o distrito de Tebas e a cidade de Leopoldina, a Constança oferecia condições satisfatórias para os imigrantes.

Um outro fato levantado por Jucely Lottin foi determinante para a saída de alguns imigrantes. Segundo Relatório daquela Colônia, no ano de 1888 os índios mataram um velho italiano de sobrenome Baschiroto e alguns meses depois foi a vez de um Meneghetti, também desarmado, ser assassinado. Com isto, diz o relatório, 40 famílias italianas fugiram do local.

Mas a Colônia Agrícola da Constança ainda não tinha sido formada. Os imigrantes abandonaram seus lotes em Santa Catarina e, em Leopoldina, tinham a opção de contrato com um fazendeiro ou se instalarem na Colônia Municipal Santo Antônio, cuja história ainda não está bem esclarecida.

Mesmo não contando com informações detalhadas sobre o novo destino desses colonos, acreditamos que a decisão de vir para Leopoldina pode ter sido tomada a partir de referências obtidas com outros companheiros de jornada ou através de orientação obtida nos postos de acolhimento de imigrantes em Santos e no Rio de Janeiro, locais onde fizeram escala.

Seja qual for o pretexto ou o motivo da mudança, a verdade é que logo depois do fim do regime monárquico algumas famílias italianas inteiras, ou apenas descendentes delas, empreenderam uma longa viagem para Leopoldina. São os familiares dos Albertoni, Bonini, Crema, Farinazzo, Lorenzetto, Montagna, Pavanello, Pedroni, Princivale, Rinaldi, Volpato e Zini.

Luigi Giuseppe Farinazzo nasceu por volta de 1838 em Casale di Scodosia. Em dezembro de 1886 obteve passaporte em Montagnana, para viajar ao Brasil com a família. Em abril de 1897 era funcionário da fazenda Paraíso, em Leopoldina, onde dedicava-se ao cultivo do café, conforme se vê no livro caixa daquela propriedade.

Era casado com Giovanna Giacomelle, cujo sobrenome aparece em família imigrada em 1888 e estabelecida em Mar de Espanha. Giovanna faleceu em Leopoldina no dia 21 de fevereiro de 1918.

Luigi e Giovanna tiveram, pelo menos, 4 filhos: Giuseppe, Giovanni, Maria e Giacomo. O mais velho nasceu aos 7 de maio de 1869 em Casale di Scodosia e em Leopoldina casou-se com Stella Lorenzetto, no dia 27 de setembro de 1894. Giovanni Farinazzo, nascido a 27 de setembro de 1872 em Casale di Scodosia, casou-se em Leopoldina, aos 6 de janeiro de 1893, com Teresa Pedroni. A terceira filha, Maria, casou-se aos 3 de fevereiro de 1894, em Leopoldina, com Emilio Carraro. Finalmente, Giacomo Farinazzo, nascido em 1878, casou-se em Leopoldina com Elisabetta Saggioro, no dia 10 de setembro de 1904.

Os primeiros tempos em Leopoldina foram passados na fazenda Paraíso. Mais tarde, quando se organizou a Colônia Agrícola da Constança, alguns filhos de Luigi Farinazzo lá se estabeleceram. Embora nenhum deles tenha conseguido comprar um lote no primeiro momento, viveram como agregados nas propriedades de seus compatriotas. Um deles, Giuseppe Farinazzo, participou ativamente do movimento que arrecadou fundos para comprar um pedaço de terra e nele edificar a Capela de Santo Antônio de Pádua.

Giuseppe Farinazzo e Stella Lorenzetto deixaram numerosa descendência em Leopoldina, através de seus filhos: Carolina casada com Giuseppino Cucco, Natal casado com Sebastiana Regina Pengo, Antonio casado com Porcina Antonio de Oliveira e Santina casada com Pedro Emilio Campana. Além destes, o casal teve também os filhos Luiz José, Maria Magdalena, Jacinto, Angela e Ana Teresa.

Giovanni Farinazzo e Teresa Pedroni tiveram 10 filhos nascidos em Leopoldina entre 1894 e 1915. Mas apenas da mais velha, Josefa Farinazzo, encontramos descendentes de seu casamento com João Marinato. Quanto aos demais, informações orais dão conta de que, não tendo conseguido um pedaço de terra em Leopoldina, migraram para o estado do Rio.

Situação semelhante ocorreu com alguns filhos de Maria Farinazzo e Emilio Carraro. Dos 10 filhos nascidos em Leopoldina entre 1895 e 1913, encontramos descendentes apenas de Antonio Carraro casado com Ana Cunegundes Gonçalves, de José Carraro casado com Rosalina Olivia Fofano e de Joana Carraro casada com Miguel Arcanjo Ceoldo. Entretanto, é possível que os filhos de Maria não tenham saído da região, conforme indicam alguns parentes.

O filho mais novo de Luigi Giuseppe Farinazzo e Giovanna Giacomelle foi Giacomo Farinazzo. De seu casamento com Elisagetta Saggioro localizamos 4 filhos nascidos em Leopoldina entre 1905 e 1914. A mais velha, Joana Maria, nascida na fazenda Paraíso em 1905, casou-se com Sante Lorenzetto em 1922. Vitorio Emanuel Farinazzo, nascido no dia 16 de setembro de 1907, parece ter se transferido para o norte do estado do Rio. O mesmo teria ocorrido com Pedro Farinazzo, nascido aos 19 de maio de 1910. Não temos notícias da mais nova, Rosa, nascida em Leopoldina dia 6 de dezembro de 1914.

Agradecemos a colaboração de Annaroza Farinazzo, de Padova, bem como dos descendentes brasileiros Giarlane Farinazzo, José Raymundo Sobrinho, Larissa Farinazzo, Luiz Farinazio Lacerda, Marco Aurelio Assis Davis, Maria da Conceição Pedroni e Marilia Aparecida de Souza Campana.

FONTES:

Alistamento Eleitoral em Tebas, 1904, fls 18.

Archivio storico del Distretto Militare di Padova, Leva Militare delle province di Padova e Rovigo 1846 - 1902.

Arquivo Nacional, Manifesto do vapor Sud America, 1877, passageiros números 221 a 224.

Assentos Paroquiais de Leopoldina:
Livro 2 cas fls 100 reg. 113, fls 102-v nr 128, fls 111v reg. 187;
Livro 3 cas fls 28 nr 56;
Livro 5 cas fls 399 termo 6.
Livro 6 cas termo 10 fls 27v, termo 58 fls 45, termo 65 fls 46v, termo 82 fls 97v;
Livro 7 cas fls 30 termo 41.
Livro 4 bat fls 35, fls 224 termo;
Livro 5 bat fls 40 reg. 85,
Livro 6 bat fls 110-verso nr. 120.
Livro 7 bat bat fls 57 nr. 1318.
Livro 8 bat fls 7v termo 69, fls 67, fls 81 nr 329,.
Livro 9 bat fls 45 e 48 termo 381, fls 85 nr. 264, fls 91termo 333, fls 100termo 15;
Livro 10 bat fls 55 nr. 238, fls 74-v nr 323, fls 86 nr. 114, fls 96 nr 216:
Livro 11 bat fls 13 nr 383, 11 bat fls 25-v nr 75, fls 45 nr 262, fls 86v termo 329;
Livro 12 bat fls 12 nr. 208, 25-v nr 335, fls 26-v nr 4, fls 88-v nr 265;
Livro 13 bat bat fls 61-v nr 412, fls 45v termo 250, fls 45-v termo 251;
Livro 14 bat fls 75 nr 272;
Livro 15 bat fls 2v termo 18, fls 15-v nr 148, fls 57-v nr 26;
Livro 16 bat fls 4-v nr 498, fls 72v termo 91;
Livro 17 bat fls 13 nr 509, fls 26. termo 127;
Livro bat 1896-97, fls 125v termo 230, fls 147, termo 404, fls 154v, termo 462.
 
Carteira de Identidade, RG 04480674-3, emitida em 30.04.1984, IFP.

Cartório de Registro Civil de Barra Mansa, RJ, Livro B-083 de Casamentos, fls 87, termo 6427.

Cartório de Registro Civil de Leopoldina, MG
Livro 10 cas fls 26 termo 12, fls 89 termo 61;
Livro 11-B cas fls 3 e v, termo 2784, fls 220-221, termo 88;
Livro 3 cas fls 168 termo 13;
Livro 31-A de Nascimentos, fls 64, termo 3741;
Livro 5 cas fls 79-v termo 42;
Livro 6 cas fls 82 termo 5, fls 84 termo 7, Livro 6-C fls 78-v termo 6290;
Livro 7 cas fls 71 e v termo 8;
Livro 8 cas fls 159 termo 40;
Livro 9 cas fls 40-v termo 53.

Cemitério Nossa Senhora do Carmo, Leopoldina, MG, Livro 2 fls 14 sep. 346 3º plano, fls 57 nr 287, fls 79 nr 114, fls 83 sep. Paraíso.

Certificato di Famiglia, Carraro, Emitido em Pianiga, 22.07.2000.

Emigrazione Veneta, http://www.emigrazioneveneta.com/secondo.php acesso 23out08.

Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias
Microfilme 1.285.227 Leopoldina, item 2 bat fls 70 reg. 487, fls 78verso reg. 16, fls 78verso reg. 17.
Microfilme 1.285.228 Leopoldina, item 4 fls 122 reg. 7, fls 176 reg. 7, fls 311 nr 88 e fls. 313 nr 92, 347 nr 68.

Livros da Hospedaria Horta Barbosa (Arquivo Público Mineiro), SA-910 fls 98 e SA 920 fls 62.

Passaporte Italiano, Farinazzo, 06.11.1886.

Registros de Estrangeiros de 1942.

LOTTIN, Jucely. Colônia Imperial de Grão-Pará 120 anos. Grão-Pará, SC: Elbert, 2002

RODRIGUES, José Luiz Machado e CANTONI, Nilza. Nossas Ruas, Nossa Gente. Rio de Janeiro: Fábrica de Livros, 2004.

Peter Blasenheim tem boas lembranças de Leopoldina

Agradecemos à professora Natania, do Blog História e Ensino, por ter gravado e divulgado a conferência proferida por Peter Blasenheim, professor norte americano, no dia 16 de agosto de 2010. É uma oportunidade de conhecermos a opinião de um estudioso externo que voltou os olhos para a nossa região há cerca de 30 anos.

Peter Blasenheim cita a Gazeta de Leopoldina

Em conferência proferida no dia 16 de agosto, em Cataguases, o historiador norte americano manifesta opinião favorável à qualidade dos jornais da região nos anos 30, citando nominalmente a Gazeta de Leopoldin. E sugere que sejam realizadas pesquisas históricas sobre a escravidão em Leopoldina e Cataguases.

Feira da Paz 2010

A Prefeitura Municipal de Leopoldina convida para este tradicional evento, que em 2010 ocorrerá entre os dias 2 e 5 de setembro.

De onde vem o hábito da refeição composta de arroz, feijão e carne?


Parece que nossos antepassados italianos já estavam acostumados a tal dieta. Pelo menos é o que demonstra o cardápio dos vapores que traziam imigrantes italianos no final do século XIX. Segundo o Regulamento da Marinha Mercante italiana, cada passageiro deveria receber:

- 700 gramas de pão branco fresco ou 500 gramas de biscoito de 1ª qualidade diariamente;
- 250 gramas de carne fresca ou salgada, 5 dias por semana, acompanhada de 80 gramas de arroz e 50 gramas de ervilha ou feijão;
ou, nos dias em que a carne não fosse servida:
- 80 gramas de massa, 160 gramas de filé de peixe, 150 gramas de batata, 50 gramas de queijo e 20 gramas de salada de anchova ou pimentão ao azeite e pepino.

Além disso, cada passageiro deveria receber diariamente:
- 20 gramas de Café de 2ª qualidade;
- 30 gramas de Açúcar branco de 3ª qualidade;
- 10 gramas de Azeite de Oliva;
- 20 gramas de Sal;
- ½ livro de Vinho.

No rodapé do cardápio informa-se que, nos trópicos, o passageiro deveria receber 60 mililitros de aguardente.

Fonte: manifesto do vapor Provence, que aportou no Rio em novembro de 1890

Rifugio di Memorie

A revista Comunità Italiana, edição nº 145 do mês de Julho de 2010, publicou matéria sobre a Colônia Agrícola da Constança. Veja em Rifugio di Memorie.

A matéria pode ser lida também neste endereço.