Apresentando-se como um ‘curioso’ a respeito da história da medicina e seus labirintos, o médico dermatologista Geraldo Barroso de Carvalho, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, informou que falaria sobre a Medicina no Caminho Novo de forma muito simples.
Iniciou discorrendo sobre o panorama da época, ressaltando que uma grande quantidade de pessoas buscou o local das minas a partir da descoberta do ouro no sopé da Serra do Itacolomi. Foi também necessário aumentar a importação de escravos para suprir a necessidade de mão de obra. ‘Esse afluxo imenso de pessoas, de todos os lados, criou uma super população numa área extremamente insalubre’, propiciando a entrada de muitas doenças novas na região, disse Barroso. Doenças endêmicas na África e no sul do Brasil, por exemplo. De certa forma, a região tornou-se uma espécie de Serra Pelada, conforme indicava a fotografia no slide.
Por esta época ‘apareceu em Ouro Preto um cidadão chamado Luiz Gomes Ferreira, português’, que ouvira notícias da descoberta e inicialmente se dirigira para Sabará. Depois de 5 anos, em 1716, estabeleceu-se entre Ouro Preto e Mariana e ali passou a ser procurado pelas pessoas que buscavam tratamento para suas doenças. Teria sido o primeiro ‘médico’ a deixar notícia na história da região.
Barroso acrescentou que além das pessoas houve um aumento significativo do plantel de animais de carga, adquiridos no sul, para onde os espanhóis tinham levando muitos muares com o ojetivo de fazer o transporte da prata do Peru para Buenos Aires. Muitos desses animais haviam se perdido pelas pradarias do sul onde se misturaram e se multiplicaram, resultando em grande quantidade de animais de carga e gado bovino, sobretudo na região de Viamão, no Rio Grande do Sul. O pessoal de Minas se viu, então, na necessidade de ir buscar animais que auxiliassem no transporte de cargas, serviço até então feito pelos escravos. Um burro carregava cerca de 18 a 20 vezes o peso transportado por um escravo.
O centro onde iam buscar estes animais era a Feira de Sorocaba. No local encontravam-se profissionais variados, como seleiros, cangalheiros, ferradores, ferreiros, peões e os vendedores dos animais que eram comprados e trazidos para formar as tropas de mulas. Cerca de 10.000 mulas saíam anualmente de Sorocaba, quase todas destinadas à região das minas. Por esta razão, Minas chegou a ter mais do que o dobro da tropa de mulas existente no resto do Brasil.
No percurso de ida e volta até Sorocaba, os tropeiros faziam paradas em propriedades que lhes alugavam o pasto e forneciam milho para os animais. Entretanto, tinham que carregar sua própria alimentação e demais produtos necessários à sobrevivência, incluindo medicamentos. Havia curandeiros e dentistas itinerantes mas também aqueles que faziam parte das tropas maiores ou se estabeleciam no percurso. Os curandeiros tratavam diversos males com as ervas encontradiças na mata atlântica e alguns eram também cirurgiões que abriam abcessos e retiravam corpos estranhos.
Segundo Barroso, um dos primeiros medicamentos quimioterápicos de que se tem notícia provinha de determinadas plantas, entre elas a Ipeca, ou Poaia, encontrada nas matas do Xopotó. Sendo um dos grandes medicamentos da época, fazia parte da bagagem daqueles tropeiros ou era obtido com os curandeiros do caminho. Além disso a malária, que na época causava numerosas mortes e ainda hoje tem alta incidência em várias partes do mundo, era também tratada com ervas.
Prosseguindo, foram mencionados muitos produtos da medicina de então, sendo que alguns ainda hoje encontram aplicação em determinadas circustâncias. Neste ponto, Barroso mencionou os que viu serem aplicados em sua época de médico recém formado. ‘Na segunda metade do século XX nós ainda usávamos a erva de santa maria’, declarou. Outra citação foi ao ‘feto macho’ que é retirado do broto da samambaia e era o único medicamento para eliminar a solitária. A semente de abóbora foi mencionada para explicar a chamada ‘teoria das assinaturas’, segundo a qual Deus teria criado objetos que apresentavam sinais de suas virtudes. No caso da semente de abóbora era o formato, que por assemelhar-se ao útero da solitária carregado de ovos seria eficiente no tratamento deste problema.
Foram mencionados vários outros medicamentos que faziam parte da farmacopéia da época áurea do Caminho Novo e que entravam na bagagem do tropeiro como cascas, sementes e demais insumos semelhantes. Pela ‘teoria das assinaturas’, relatou, determinado cipó seria eficaz como antiofídico por ter o formato de cobra. Também a planta denominada quebra pedras, uma gramínea que se desenvolve entre as fendas das pedras, seria solução contra os cálculos renais.
A mamona, em função da prática de se considerar que o purgativo seria o melhor remédio contra qualquer doença, era produto de grande utilidade. O hábito de se cobrir feridas com determinada folhagem encontra justificativa no fato de que servia de cobertura, impedindo que a mosca varejeira ali depositasse seus ovos. Para as fraturas e contusões, usavam-se talas de bambu numa prática que, embora extremamente rude, ajudava a solucionar problemas imediatos. Colocar um pedaço de toucinho sobre os vermes resolvia o problema porque, diferentemente da crença de que os vermes gostam de toucinho, na verdade esta prática impedia a respiração dos intrusos, matando-os.
E assim ouvimos o médico e historiador mencionar muitas curiosidades como o uso do fumo em torno de micoses impedindo que a área afetada se ampliasse. Além das beberagens, ferveduras, cachaça com um determinado tipo de cipó na sexta feira da paixão e cachaça com jurubeba. No item rezas e simpatias não foi esquecida a oração a São Guido para tratar de males das articulações porque a doença era chamada de Dança de São Guido ou Coréia, palavra que significa dança.
E se o problema era guardar um segredo, melhor rezar para São João Nepomuceno. Ele teria sido confessor de uma rainha e certa feita o rei foi-lhe ao encalço para saber o que a rainha lhe contara. Pela recusa em atender ao pedido do rei, sua imagem teria sido associada ao hábito de colocar o dedo indicador sobre os lábios e dado origem aos pedidos fervorosos de ajuda quando não se consegue manter um segredo.
Geraldo Barroso de Carvalho é membro do Centro de Memória Belisário Pena, um dos promotores do Encontro de Pesquisadores de História e Geografia do Caminho Novo da Estrada Real. E é autor do livro Doenças e Mistérios de Aleijadinho, publicação da Lemos Editorial que já está indo para a terceira edição.
Iniciou discorrendo sobre o panorama da época, ressaltando que uma grande quantidade de pessoas buscou o local das minas a partir da descoberta do ouro no sopé da Serra do Itacolomi. Foi também necessário aumentar a importação de escravos para suprir a necessidade de mão de obra. ‘Esse afluxo imenso de pessoas, de todos os lados, criou uma super população numa área extremamente insalubre’, propiciando a entrada de muitas doenças novas na região, disse Barroso. Doenças endêmicas na África e no sul do Brasil, por exemplo. De certa forma, a região tornou-se uma espécie de Serra Pelada, conforme indicava a fotografia no slide.
Por esta época ‘apareceu em Ouro Preto um cidadão chamado Luiz Gomes Ferreira, português’, que ouvira notícias da descoberta e inicialmente se dirigira para Sabará. Depois de 5 anos, em 1716, estabeleceu-se entre Ouro Preto e Mariana e ali passou a ser procurado pelas pessoas que buscavam tratamento para suas doenças. Teria sido o primeiro ‘médico’ a deixar notícia na história da região.
Barroso acrescentou que além das pessoas houve um aumento significativo do plantel de animais de carga, adquiridos no sul, para onde os espanhóis tinham levando muitos muares com o ojetivo de fazer o transporte da prata do Peru para Buenos Aires. Muitos desses animais haviam se perdido pelas pradarias do sul onde se misturaram e se multiplicaram, resultando em grande quantidade de animais de carga e gado bovino, sobretudo na região de Viamão, no Rio Grande do Sul. O pessoal de Minas se viu, então, na necessidade de ir buscar animais que auxiliassem no transporte de cargas, serviço até então feito pelos escravos. Um burro carregava cerca de 18 a 20 vezes o peso transportado por um escravo.
O centro onde iam buscar estes animais era a Feira de Sorocaba. No local encontravam-se profissionais variados, como seleiros, cangalheiros, ferradores, ferreiros, peões e os vendedores dos animais que eram comprados e trazidos para formar as tropas de mulas. Cerca de 10.000 mulas saíam anualmente de Sorocaba, quase todas destinadas à região das minas. Por esta razão, Minas chegou a ter mais do que o dobro da tropa de mulas existente no resto do Brasil.
No percurso de ida e volta até Sorocaba, os tropeiros faziam paradas em propriedades que lhes alugavam o pasto e forneciam milho para os animais. Entretanto, tinham que carregar sua própria alimentação e demais produtos necessários à sobrevivência, incluindo medicamentos. Havia curandeiros e dentistas itinerantes mas também aqueles que faziam parte das tropas maiores ou se estabeleciam no percurso. Os curandeiros tratavam diversos males com as ervas encontradiças na mata atlântica e alguns eram também cirurgiões que abriam abcessos e retiravam corpos estranhos.
Segundo Barroso, um dos primeiros medicamentos quimioterápicos de que se tem notícia provinha de determinadas plantas, entre elas a Ipeca, ou Poaia, encontrada nas matas do Xopotó. Sendo um dos grandes medicamentos da época, fazia parte da bagagem daqueles tropeiros ou era obtido com os curandeiros do caminho. Além disso a malária, que na época causava numerosas mortes e ainda hoje tem alta incidência em várias partes do mundo, era também tratada com ervas.
Prosseguindo, foram mencionados muitos produtos da medicina de então, sendo que alguns ainda hoje encontram aplicação em determinadas circustâncias. Neste ponto, Barroso mencionou os que viu serem aplicados em sua época de médico recém formado. ‘Na segunda metade do século XX nós ainda usávamos a erva de santa maria’, declarou. Outra citação foi ao ‘feto macho’ que é retirado do broto da samambaia e era o único medicamento para eliminar a solitária. A semente de abóbora foi mencionada para explicar a chamada ‘teoria das assinaturas’, segundo a qual Deus teria criado objetos que apresentavam sinais de suas virtudes. No caso da semente de abóbora era o formato, que por assemelhar-se ao útero da solitária carregado de ovos seria eficiente no tratamento deste problema.
Foram mencionados vários outros medicamentos que faziam parte da farmacopéia da época áurea do Caminho Novo e que entravam na bagagem do tropeiro como cascas, sementes e demais insumos semelhantes. Pela ‘teoria das assinaturas’, relatou, determinado cipó seria eficaz como antiofídico por ter o formato de cobra. Também a planta denominada quebra pedras, uma gramínea que se desenvolve entre as fendas das pedras, seria solução contra os cálculos renais.
A mamona, em função da prática de se considerar que o purgativo seria o melhor remédio contra qualquer doença, era produto de grande utilidade. O hábito de se cobrir feridas com determinada folhagem encontra justificativa no fato de que servia de cobertura, impedindo que a mosca varejeira ali depositasse seus ovos. Para as fraturas e contusões, usavam-se talas de bambu numa prática que, embora extremamente rude, ajudava a solucionar problemas imediatos. Colocar um pedaço de toucinho sobre os vermes resolvia o problema porque, diferentemente da crença de que os vermes gostam de toucinho, na verdade esta prática impedia a respiração dos intrusos, matando-os.
E assim ouvimos o médico e historiador mencionar muitas curiosidades como o uso do fumo em torno de micoses impedindo que a área afetada se ampliasse. Além das beberagens, ferveduras, cachaça com um determinado tipo de cipó na sexta feira da paixão e cachaça com jurubeba. No item rezas e simpatias não foi esquecida a oração a São Guido para tratar de males das articulações porque a doença era chamada de Dança de São Guido ou Coréia, palavra que significa dança.
E se o problema era guardar um segredo, melhor rezar para São João Nepomuceno. Ele teria sido confessor de uma rainha e certa feita o rei foi-lhe ao encalço para saber o que a rainha lhe contara. Pela recusa em atender ao pedido do rei, sua imagem teria sido associada ao hábito de colocar o dedo indicador sobre os lábios e dado origem aos pedidos fervorosos de ajuda quando não se consegue manter um segredo.
Geraldo Barroso de Carvalho é membro do Centro de Memória Belisário Pena, um dos promotores do Encontro de Pesquisadores de História e Geografia do Caminho Novo da Estrada Real. E é autor do livro Doenças e Mistérios de Aleijadinho, publicação da Lemos Editorial que já está indo para a terceira edição.