Picada de Goiás


Francisco Eduardo Andrade iniciou sua participação pela definição do enfoque a ser dado que seria analisar a rota em termos de relações de poder e econômicas, bem como em termos de constituição de uma territorialidade da Capitania e depois Província de Minas Gerais. 


Explicando que a região abordada está localizada a oeste das nascentes do Rio São Francisco, declarou que o espaço já era explorado antes do início do período da mineração, contando com fazendeiros e vaqueiros que da rota da Bahia e de Pernambuco buscavam as nascentes do dito rio, incluindo o curso do Rio das Velhas, afluente daquele. Há também notícias de entradas de paulistas para o apresamento de indígenas, mais frequentes nas últimas décadas do século XVII. Assim é que, tanto as atividades pastoris como a busca do ouro e a caça aos naturais da terra, estimulavam o avanço em direção aos sertões mais interiores da América portuguesa. Donde há que se considerar as ligações históricas de Minas com Mato Grosso e Goiás, origem de conflitos de jurisdição entre Minas e Goiás no século XX.

Lembrou, também, que as atividades econômicas desenvolvidas nas Comarcas do Rio das Velhas e do Rio das Mortes promoviam a expansão pela região a oeste do São Francisco. Com o descobrimento do ouro pelos paulistas no início do século XVIII, o processo de povoamento daquele sertão ampliou-se significativamente. As tradicionais trilhas indígenas foram refeitas com novos propósitos. O interesse de vários grupos, como jornaleiros, faiscadores ou senhores de avultada fortuna era, além de encontrar descobertos lucrativos de ouro ou terra para pastoreio e plantio, apropriar-se dos ganhos provenientes do comércio legal de gêneros e escravos, ou do contrabando nas rotas coloniais importantes. 

Na década de 1730, em função das possibilidades lucrativas desta rota do oeste, os arrematantes dos contratos de cobrança das taxas de entrada de gêneros e escravos na Capitania de Minas Gerais, os sertanistas Matias Barbosa da Silva e José Álvares, de Vila Rica, buscaram autorização dos governantes para abrirem um caminho na rota para Goiás. Junto a eles, dois outros nomes poderosos da Vila do Carmo, atual Mariana. Eram eles Caetano Álvares Rodrigues e Maximiano de Oliveira Leite. 

Soubemos, assim, que a abertura da rota para Goiás obedeceu ao mesmo modelo do Caminho Novo, ou seja, as trilhas já existiam e foram apenas melhoradas por aqueles que a história tradicional cita como abridores do caminho. Citando o parentesco de Maximiano de Oliveira Leite com Garcia Rodrigues Paes, Francisco Andrade brincou dizendo que parece uma novela: muda o cenário, mas os personagens são sempre os mesmos. O acordo com o governador só foi estabelecido em 1736, sob a alegação de que os associados do empreendimento pretendiam favorecer o comércio legal, evitando-se os extravios. Entretanto, sabe-se que eles também participariam do contrabando. As alianças entre os membros do grupo e o poder basearam-se em laços de amizade e parentesco. Este aspecto, que hoje é visto como tráfico de influência, na época era uma prática absolutamente natural.

Neste ponto o palestrante lembrou que era uma forma de manter a competição entre os poderosos, no sentido da emulação, ou seja, uns buscando suplantar os outros não para destruí-los, mas para atingir fortuna maior e, consequentemente, alcançarem um patamar mais alto na escala de poder. Não havia interesse em destruir o outro pela simples razão de que possuir mais do que alguém despossuído não significaria uma vitória. 

Matias Barbosa, Caetano Álvares Rodrigues e Maximiano Oliveira Leite eram proprietários de terras e escravos e moravam na região do Carmo Abaixo. Matias Barbosa era português e chegou às Minas na época dos primeiros descobrimentos de ouro, tornando-se rico fazendeiro, negociante e minerador, fazendo valer seus interesses junto à justiça local. Foi, ainda, arrematante de dois contratos de direitos de Entrada na Capitania, o que lhe permitiu reforçar o caixa. O contratante José Álvares foi tão importante que se destacou até na praça de Lisboa, durante o período pombalino, participando de 17 contratos régios. 

Francisco Andrade ressaltou que os agentes pretendiam muito mais do que o alegado oficialmente, já que se assenhoraram de várias atividades na rota e nos encontros de rios, sempre obtendo altos lucros. Mas além dos senhores acima citados, outros poderosos da Capitania do Rio das Mortes, como Manoel da Costa Gouvêa, Manoel Martins de Melo e Francisco Bueno da Fonseca, intentaram participar das mesmas oportunidades, fazendo atalhos para a picada daqueles. Pretenderam, também, terras e possibilidades de lucro. Foram, porém, cautelosos em relação a disputas com os senhores da Comarca de Vila Rica. 

As autoridades sempre descreveram a região oeste como problemática, com quilombolas e outros viandantes que ficavam circulando por ali, causando receio aos trabalhadores e fazendeiros. Com a criação da Capitania de Goiás, aumentaram as tensões sociais naquelas localidades, resultante da entrada constante de sesmeiros, mineradores, faiscadores e artesãos.

O palestrante destacou que a Picada de Goiás favoreceu a entrada de uma população pobre que foi se juntando em pontos estratégicos de uma rota com boas possibilidades de lucro, legal ou ilegal, especialmente porque o caminho de São Paulo também passava por ali. Assim, tudo o que saía de São Paulo, Rio de Janeiro e Vila Rica, demandando o interior, transitava pela rota. Os mais pobres, geralmente artesãos como sapateiros e carpinteiros, ou ferreiros e pequenos comerciantes, procuravam um lugar que lhes permitisse ganhos. Os mineradores, por sua vez, dependiam destes profissionais.

Os senhores de Vila Rica fundaram arraiais e capelas na região, onde estabeleceram dirigentes de sua confiança, os quais exerciam múltiplas atividades de interesse pessoal. Os senhores tiveram poder até mesmo para convencer o bispo de Mariana a elevar tais capelas a sedes de paróquias, causando novos conflitos. Como exemplo deste modelo de nascimento de uma freguesia, foram citadas Tamanduá e Oliveira.

Além dos conflitos de interesses com os senhores da Comarca do Rio das Mortes, houve também conflito com os interesses paroquiais desta mesma Comarca. Foi citado um capelão de Tamanduá, apadrinhado do grupo de Vila Rica, que abriu filiais em toda a região, montando uma rede de capelães a ele subordinados, invadindo a jurisdição das Comarcas vizinhas.

Concluindo, Francisco Oliveira declarou que ocorreu uma grande rede econômica e política bancada pelos interesses eclesiásticos.

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