Um trecho do Texturas do discurso histórico – apontamentos para um estudo da linguagem dos textos historiográficos latinos, de Leni Ribeiro Leite, publicado na Revista Alethéia de Estudos sobre Antigüidade e Medievo – Volume 2/2, Agosto a Dezembro de 2010, trouxe à memória uma questão que vem incomodando desde que lançamos o site em 1997.
Ao longo do texto, lembramo-nos da sensação de que o o famigerado "copiar e colar" teria tomado o lugar do pensar. Com alguma frequência chegam mensagens de leitores pedindo ajuda para realização de trabalhos acadêmicos. Infelizmente, na maioria das vezes o correspondente demonstra querer o trabalho pronto e acabado, ficando ao seu cargo apenas a colagem do conteúdo no trabalho que entregará ao professor.
Muitas vezes temos tido dificuldade de esclarecer ao estudante a necessidade de ler diversos autores sobre o assunto para que possa ter uma opinião e produzir seu próprio texto. Até de estudantes universitários já recebemos a alegação de que não há tempo para ler outros autores e, o que é pior, de que não conseguem compreender os considerados clássicos.
O artigo de Leni Ribeiro Leite menciona, entre outros aspectos, uma informação que parece ser desconhecida de muitos estudantes que nos consultam. Destacamo-la como um convite à reflexão, por acreditar que se aplica a outras leituras.
Se a partir do século XIX a História deve analisar a história, no mundo romano o historiador era aquele que a contava. Algumas vezes, ele a analisa ao contá-la; mas enquanto o historiador do século XIX vê o passado como uma coleção de documentos que ele deve examinar racionalmente como as peças de um quebra cabeças, mantendo níveis adequados de assepsia, evitando a contaminação com o julgamento pessoal, os sentimentos, as paixões, o historiador antigo ignora tal concepção de verdade histórica, de trabalho com fontes, de impessoalidade. Isso não significa que ele se abstém de se perguntar acerca da veracidade dos eventos, mas os critérios para alcançar tal verdade são diversos: o testemunho concordante de autores predecessores em que se confie, a persistência de uma tradição oral sólida, a verossimilhança de atos e personagens; tais são, para o historiador antigo, as bases para a aceitação de um fato como verdadeiro.
O historiador antigo não usa notas de rodapé. Quanto a isso, diz Paul Veyne (Acreditaram os gregos em seus mitos? Lisboa: Ed. 70, 1987: 22-23): o hábito de citar autoridades não nasceu com a história, mas com as querelas do direito e da teologia. Os historiadores modernos propõe uma interpretação dos fatos e dão ao leitor os meios para verificarem as informações; os historiadores antigos verificam eles mesmos e não deixam tal trabalho ao leitor. Isso não quer dizer que eles não tivessem clareza da diferença entre fontes de primeira ou de segunda mão, por exemplo. Apenas eram detalhes que faziam parte de seu ofício, e não interessavam ao público leitor. Sabe-se que os historiadores romanos tiveram acesso não só aos relatos anteriores, mas também buscavam as fontes privadas, as laudationes funerarias, documentos públicos e os annales maximi. No entanto, esta busca pelas fontes era parte dos bastidores do texto historiográfico, que não devia mostrar em sua superfície este trabalho, sob pena de se considerar que o autor que buscava apoio em citações alheias o fazia por não ser bom escritor ele mesmo.